quinta-feira, 21 de outubro de 2010

"Alexandre de Faria" e a "Minissérie Amazônia" (100 anos de música)

A trama de “Amazônia” começa por volta de 1890 e termina em 1990. Para o produtor musical da minissérie, Alexandre Faria, isso significou pesquisar cem anos de música, para poder escolher com precisão um extenso repertório e ter embasamento histórico ao criar suas próprias composições. Nem dá para contar quantas músicas foram usadas ao longo dos 55 capítulos, mas Alexandre sabe de cor quantos temas compôs especialmente para “Amazônia”. Foram 47, cada um com uma série de variações para as mais diversas situações dramáticas – uma tarefa hercúlea, mesmo para um profissional como ele, que começou a compor aos 5 anos e estreou na TV já fazendo a trilha de um filme inglês, em 1995. A seguir, Alexandre nos conta alguns dos maiores desafios que enfrentou ao longo da minissérie. As óperas: “Eu componho e escrevo os arranjos no meu estúdio. Também costumo gravar tudo lá, mas há casos especiais, como as óperas apresentadas na minissérie: “La traviata”, de Verdi, e “A flauta mágica”, de Mozart. Como eram necessários oito cantores líricos mais uma orquestra sinfônica de 25 músicos, foi preciso gravar num lugar maior. Havia uma cantora que eu fazia questão de que participasse da gravação, mas ela estava em Viena. Ela veio ao Brasil só para isso. Uma outra cantora veio de Brasília para o Rio de Janeiro. Conciliar as agendas de todos os artistas envolvidos não foi fácil. Não parece, mas nosso trabalho requer uma logística incrível, porque são muitos os detalhes. Precisamos providenciar, por exemplo, 250 cópias das partituras, além de um coro de crianças que cantassem em alemão.”


A companhia de zarzuela: “Lembra que, no início da minissérie, a Maria Alonso chegava em Manaus com uma companhia de zarzuela? Ninguém sabia direito o que era zarzuela, e nós tínhamos o desafio de pôr uma companhia de zarzuela pra tocar e dançar nas gravações feitas no Acre. Só que não se conseguia encontrar partituras dessas músicas tão específicas. E, sem elas, era impossível trabalhar. A muito custo, foram descobertas partituras de zarzuelas na Polônia, apenas duas semanas antes da gravação. Tive que arranjar e gravar tudo em tempo recorde. Sorte que o maestro Mário Brasil, que é acreano, estava ensaiando uma ópera no Acre. Então, nós pudemos contar com os músicos dele, que foram regidos por ele mesmo em cena. Mesmo assim, não foi fácil, pois as músicas eram em espanhol e todo mundo tinha que cantar certinho.”

O cabaré de Lola: “Os espetáculos musicais do cabaré da Lola deram muito trabalho, por causa da enorme quantidade de apresentações e da incrível variedade de estilos musicais. Teve can-can, tango, música árabe, música africana, música grega, flamenco, ragtime, um monte de coisas. Foi preciso pesquisar cada um desses ritmos e estilos, para depois compor as músicas, que só seriam usadas uma única vez ao longo de toda a minissérie. Cada música dessas consumiu cerca de duas semanas de trabalho, mas só tocou na TV por dois minutos, no máximo.”

Repertório para piano: “Esta minissérie teve uma quantidade especialmente grande de músicas tocadas ao piano. Afinal de contas, a família do coronel Firmino tinha um piano em casa. Volta e meia, Júlia, Leandro, Risoleta, Tavinho e Alarico tocavam. Para isso, foi preciso fazer uma boa pesquisa de repertório, que incluiu obras de Mozart, Chopin, Schubert, Beethoven, Chiquinha Gonzaga, vários compositores. No total, foram 20 músicas tocadas ao piano em cena.”

O baile de quatro bolas: “Eram bailes que os seringueiros organizavam. Na falta de mulher, era só homem dançando com homem. Isso realmente existiu, e deu um trabalho danado para produzir na minissérie. Em primeiro lugar, porque tínhamos que descobrir como era o forró daquela época, que era diferente do de hoje. Aliás, forró nem tinha esse nome ainda. Foi preciso pesquisar muito para compor as músicas que seriam usadas na cena. Depois veio outra questão: como os seringueiros não possuíam instrumentos musicais, eles improvisavam com o que tinham em casa, como tábuas de passar roupa, baldes de recolher leite de seringueira, facão, o que fosse. Tive que me reunir com os músicos para pensar uma maneira de fazer forró com aqueles objetos. Usamos os objetos de cena mesmo, recolhidos dos sets de gravação, com o auxílio da produção de arte. Imagine o susto que eu dei ao entrar no estúdio com uma peixeira enorme, dizendo que era pra fazer música. E como explicar para músicos eruditos que eles tinham que tocar com aquilo?”

Temas originais: “Eu compus o tema principal de ‘Amazônia’ ao piano. Saiu de repente, inteiro. Em meia hora, estava pronto. Mas foram 47 composições ao longo da minissérie, com diversas variações para cada um. Todos eles tinham que imprimir uma personalidade ao personagem em questão, à cena ou ao ambiente, que poderia ser um seringal no Acre, um cabaré em Manaus, uma residência no Rio de Janeiro, as ruas de Recife, um rio, uma manifestação cultural típica... Era preciso fazer jus a tamanha diversidade. E quando você tem que compor um tema para um personagem que ainda não se sabe qual ator vai interpretar? Nem me fale...”

Flamenco ontem e hoje: “Houve várias cenas da Christiane Torloni dançando flamenco, com músicas compostas especialmente para a ocasião. Nesse caso, a dificuldade foi pelo fato de a música flamenca de hoje ser muito diferente da de 1900, época em que as cenas se passavam. Para saber como era o flamenco há mais de cem anos, tive que recorrer a pesquisas acadêmicas. Houve essa preocupação com a fidelidade histórica, mas, ao mesmo tempo, eu tinha que compor com uma certa liberdade também, para não correr o risco de o telespectador não se dar conta de que aquilo que estava ouvindo era flamenco.”

Dalva de Oliveira: “Teve aquela cena da Dalva de Oliveira cantando na rádio acreana. Isso não aconteceu na vida real, foi uma licença poética da Glória Perez. Então, nós tínhamos um problema a resolver: Dalva de Oliveira, na época, se apresentava com grandes orquestras, mas a rádio acreana, por ser muito pobre, pequena, não poderia comportar tanta gente em seu auditório. Tivemos que adaptar a apresentação de Dalva à realidade da rádio. Gravamos a música com apenas quatro músicos e três cantores de apoio, que era o que cabia no cenário.”

Missão comprida e cumprida: “Foi um ano de trabalho que termina agora. Como perfeccionista que sou, sempre vou achar que uma coisa ou outra poderia ter ficado melhor. Mas estou muito feliz com o resultado. Este é um trabalho que me orgulha.”

Minissérie termina com 47 composições do produtor musical Alexandre de Faria.

2 comentários:

  1. Olá! Na série havia um som, acho que flauta, que era muito lindo e triste. Tocava sempre quando a personagem "Dona Júlia", esposa do coronel Firmino, aparecia em cena. No meio da trama ela morreu e a música nunca mais tocou. Desde então venho peregrinando pra descobrir qual canção é essa. Será que é do Alexandre? ficarei no aguardo! :)

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  2. Olá Renata, obrigada pela visita. Olha, agora existe um contato direto com Alexandre de Faria. Procure-o no Facebook pelo mesmo nome. Certamente terá prazer em responder. Abraços.

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