quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Fórum Violão Erudito - Entrevista realizada por "Fábio Zanon" com "Alexandre de Faria" (22/07/2000) - 1a. parte

Foi incrível a entrevista feita por Fábio Zanon com Alexandre de Faria, no site http://www.oocities.com.br/. Ele possui composições lindíssimas e consideradas obras importantes para o violão, tais como: "Entoada" (que venceu o Concurso "Andrés Segóvia" de Composição),"Olhos de uma lembrança" ( gravada por Zanon no seu CD do selo Naxos ), "Concerto pra violão e Orquestra de Cordas", obras para piano entre outras.

Aqui ele conta sobre sua obra, sua formação musical e o  processo de compor. Uma entrevista enriquecedora para qualquer músico
ou interessado na música. Só temos a agradecer a Fábio Zanon e Alexandre de Faria. Obrigada Zanon e obrigada Alex por existirem. Vamos à entrevista


1- Você sempre sentiu o impulso de compor, desde o início de seus estudos musicais?

Sim. Na verdade este impulso de “criar” surgiu muito antes do meu interesse em “tocar” um instrumento. Iniciei meus estudos musicais aos doze anos, aprendendo o violão clássico associado com a teoria musical. Foi a descoberta de um universo de possibilidades infinitas. A minha iniciação musical foi totalmente direcionada para a música clássica por iniciativa própria. Eu nunca toquei guitarra elétrica e na verdade o famoso e “cansado” tema Stairway to heaven eu aprendi pela partitura. Mas o fato é que desde aquela época eu escrevia meus “teminhas” musicais. Isso foi muito legal pois hoje eu tenho um histórico completo do meu desenvolvimento de idéias nos cadernos de música que guardo desde aquela época.
     
    2- Como esse impulso dialogou com sua atividade como violonista no início?
  
Eu acredito que o impulso de criação musical surgi por curiosidade, espontaneamente. Essa fase é muito involuntária e descompromissada, até que você descobre que na verdade está fazendo uma auto-análise por intermédio da música. E que escrevendo música você pode dizer coisas que suas palavras não poderiam traduzir, sequer detectar. A partir daí o ato de compor se torna uma necessidade. O violão foi o catalisador de todo esse processo. No início ele é tudo para você. A sua muleta, o seu ouvido. O seu instrumento é o primeiro anjo cúpido de um compositor. Principalmente quando você começa a estudar o repertório, a tal curiosidade te leva a escrever as suas próprias músicas!
  
    3- Quem foram seus principais professores de violão e de música no Brasil e qual foi o impacto que eles tiveram na formação de sua personalidade? Quais foram suas outras atividades extracurriculares que contribuíram para sua formação musical?
  
O meu primeiro professor de violão foi o Eduardo Cameniestzki. Hoje nós somos grandes amigos. O meu principal professor foi o Nícolas de Souza Barros, com quem estudei no meu curso de bacharelado na UNI-RIO. Ele foi a pessoa responsável por me fazer tocar violão direito. O Nícolas é um dos melhores professores de violão no Brasil. Ele tem uma visão muito científica do instrumento e muita coisa a contribuir para a formação dos violonistas brasileiros. O Sérgio Abreu foi também uma pessoa muito importante para mim. Sempre que eu tinha um concerto, um concurso, eu ia tocar para o Sérgio e ele me dava uma orientação informal. Como eu e ele temos um horário de vida similar, os meus amigos não achavam estranho eu chegar na casa do Sérgio as 4:00 da manhã e sair às 11:30! Violão a parte, no Brasil o Koellreutter foi a pessoa fundamental que abriu minha cabeça e me impulsionou a encontrar o meu modo de compor. Quem já foi orientado por ele sabe do que eu estou falando. Estudei com ele por muitos anos e ele só me deu aulas de composição depois de ter completado o curso de contra-ponto, análise, estética, etc...(Ele estava certo quanto a isso!)
  
    4- Você acha que a separação do ensino de instrumento e de técnicas de composição é uma coisa necessária e desejável?
  
Não sei. O que eu acho é que os cursos de análise de dados nas Universidades Brasileiras são fracos, ultrapassados e um desserviço (quase uma inutilidade) aos instrumentistas. Também acho que os violonistas-compositores deveriam procurar suprir esta deficiência de alguma forma e também estudar composição, muito mais do que fazem. Generalizando, o violonista tem uma tendência genética a compor com “os dedos nas cordas” e não na caneta e no papel. Não é muito raro encontrarmos peças para violão escritas por violonistas. São muito orgânicas para o instrumento mas muitas delas são insípidas em conteúdo estrutural.
  
    5- Até um certo momento você contemplou a carreira de intérprete e chegou a obter resultados invejáveis nesse setor. Qual foi o momento em que sentiu que era necessário optar pela composição e deixar o violão de lado? Foi uma decisão difícil?
   
Foi quando percebi que eu não conseguiria ter a mesma disciplina de estudo pelo resto da vida. Ao mesmo tempo o meu comprometimento com a composição crescia a tal ponto que ou eu escrevia ou estudava violão. Foi uma decisão séria mas natural. Parei de estudar violão em 1994, quando estava escrevendo o meu quarteto de cordas. Acho que agora eu estou contribuindo muito mais para o violão do que se eu estive tocando. Não acho que ter escrito até o momento 2 concertos para violão e orquestra, 2 prelúdios, Entoada (sonata) e algumas peças em duos, seja exatamente “deixar o violão de lado”. É simplesmente namorá-lo à distância!
  
    6- A todo momento vê-se músicos proeminentes declararem que a composição contemporânea está num beco sem saída. Entretanto você continua impávido aumentando sua produção. Você vê um beco sem saída no aspecto de linguagem?
  
Vivemos um momento maravilhoso! Muitos caminhos estão abertos e todas as possibilidades musicais que ocorreram no século 20 estão sendo digeridas. Alguma coisa muito nova e sólida vai surgir em breve, eu tenho certeza. Nós estamos num beco sem saída no aspecto do “conceito” do que é a música contemporânea, não no aspecto das linguagens. Isso é o importante no momento. O século 20 foi muito prolífico em termos de diversidade de tendências e estilos. Mas há algum tempo seria “inadmissível” um compositor escrever algo alla Mozart, por exemplo. Mas era OK se ele escrevesse alla Shöenberg ou Ligeti, ou Lutoslawski, conforme a tendência da vanguarda em vogua. Como se fosse menos pastiche porque a linguagem era século 20 e não 19! Para mim ambas as possibilidades são equivocadas. Não se recria um Ligeti, um Berio ou um Messian, da noite para o dia. Esses homens desenvolveram vozes próprias, personalidades musicais únicas e inigualáveis dentro de seus universos individuais. Hoje o conceito da individualização da linguagem é muito mais nítida e imperante. Isso vem acontecendo concomitantemente com os avanços da engenharia genética. As obras de um compositor devem necessariamente ter o código genético do mesmo! Apenas duas notas são necessárias para que reconheçamos uma obra de Rachmaninoff, no entanto sua linguagem foi de longe algo novo em sua época. Talvez tenha sido essa sua maior contribuição para a música do século 20.
  
    7- A produção atual aponta para um gradual depuramento das vanguardas dos anos 50 e 60 para um momento de síntese. Você se vê como um compositor de síntese?
   
Acredito que o que respondi na pergunta anterior seja o que eu busco para a minha música. O meu objetivo particular. Eu não sou um compositor de vanguarda. Sinceramente nem saberia ser, pois estou trabalhando num sentido totalmente oposto. Também não me considero um compositor conservador. Sim, eu me vejo como um compositor de síntese, se você considerar que essa minha busca por uma linguagem individual se baseia na influência que compositores das últimas décadas exerceram sobre a minha forma de compor. Eu só acho que a minha síntese se baseia em elementos um pouco diferentes dos que estão sendo usados atualmente.
  
    8- O seu trabalho até agora estabelece um estilo que é ao mesmo tempo complexo do ponto de vista harmônico e formal e descomplicado ritmicamente. Qual é a razão disso? Ritmo não está no topo de sua lista de prioridades? E métrica?
  
Ritmo talvez não. Pulso, definitivamente sim. Todo o meu trabalho atual baseia-se no conceito de repetição (não estou falando de minimalismo em música). Essa simplificação às figuras rítmicas básicas tem como função a intensificação dos efeitos psicológicos inerentes nas minhas composições (o primeiro movimento do Concerto n.2 “Mikulov” é um bom exemplo). Essa idéia eu “roubei” do minimalismo na pintura: perda da perspectiva e redução às cores básicas. Como Stravinsky falava, um compositor nunca pega emprestado. Ele rouba!
  
   9- Qual é a raiz de sua linguagem harmônica? Você se serve de algum método específico para garantir a ordem e um senso harmônico num contexto atonal? Há saída que não o serialismo?
  
Eu utilizo um sistema que venho desenvolvendo em minhas composições e que batizei de fixed harmony. Simplificadamente, eu elejo um grupo de acordes que funcionarão como pilares estruturais. Dependendo do acorde ele pode ser transposto ou não. Mas a idéia fundamental da fixed harmony é que os acordes não são transpostos. A inversão e o registro de um acorde são fixas e imutáveis, por várias razões que não cabe aqui debatermos. Existe um outro conceito que orienta e controla a organização harmônica. Eu chamo de pitch significance. Cada uma das 13 notas (estou considerando uma escala que começa num si bemol e se estende ao próximo si bemol oitava acima, inclusive!) tem uma significância extra-musical e ímpar. São símbolos psicológicos únicos para cada nota, mas arbitrariamente definidos. A pitch significance rege não somente meu controle harmônico mas principalmente meu discurso musical. Tendo dito isso é fácil compreender que trabalho com sistemas não-atonais não-seriais, e óbviamente não-tonais. Eu tenho com isso as insistências focais do tonalismo associadas às texturas relativas ao atonalismo. E em menor dose de parâmetros, o determinismo que o serialismo se baseia.

(continuação - 2a. parte - postagem a seguir)

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