quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Entrevista realizada por Fábio Zanon com Alexandre de Faria - 2a. parte

Entrevista realizada por Fábio Zanon com Alexandre de Faria - 2a. parte:

10- O processo de repetição e defasagem tem uma presença crucial no seu trabalho. De onde vem esse interesse?

    Vem da eterna discussão: música expressa alguma coisa ou não? Se você acha que não, como no meu caso, então a música seria um dispositivo psicológico que induziria o ouvinte a ter uma determinada reação, ou entrar num determinado processo de catársis. De acordo com suas próprias experiências pessoais. O que faço é levar este ouvinte ao extremo de uma possibilidade sonora utilizando esses recursos. Isso não faz do que escrevo algo totalmente palatável. Alguns dizem o contrário. Mas faz com que o ouvinte fique conectado ao discurso musical pela reincidência das gestalts pilares da obra.
     
    11- Você já tem uma produção extensa envolvendo o violão. É a demanda que determina ou você acha há aspectos da composição para violão que ainda precisam ser explorados?
  
    Existem aspectos da composição para violão que ainda devem ser desenvolvidos. O mais importante para mim é compor um repertório coerente, de fôlego e com formas expandidas. O violão não precisa ser somente um instrumento de miniaturas ou transcrições. Esse cenário tem se modificado muito nas últimas duas décadas (muitos compositores e violonistas compartilham desse ponto de vista). Mas os violonistas, na média, ainda não se sentem muito confortáveis com peças de longa duração (que esse comentário não sege mal interpretado). Vale lembrar que o ícone do repertório para violão e orquestra, O Concerto de Aranjuez, tem uma duração média de 26 minutos, enquanto que o Concerto para piano n.2 de Brahms ( um dos ícones do piano) tem 50 minutos de duração. É uma comparação tola mas exemplifica o que quero dizer. O Tippet com sua “the blue guitar” é um bom exemplo do que estou falando, apesar de particularmente não gostar da obra.
  
    12- O dado de brasilidade tem um papel em sua obra? Por quê?
  
    O violão é “O instrumento” da alma brasileira. Quanto são os compositores aqui no Brasil que nunca compuseram para o instrumento? É quase uma herança de responsabilidade contribuir para o repertório de um instrumento tão maravilhoso. Ainda mais eu sendo violonista de formação. Não sei se o que eu escrevo soa brasileiro. Acho que não...Na verdade nunca me preocupei com isso mas pessoas já comentaram que em alguns momentos a “brasilidade” surge muito claramente. Eu acho o segundo movimento da Entoada muito brasileiro, por exemplo
  
    13- Algumas de suas obras utilizam-se de afinações incomuns. Isso é uma tentativa de fugir dos clichês determinados pelas cordas soltas e pelo braço do violão
  
     O Birtwistle, uma vez no pub, me contou a história de quando o Julian Bream encomendou uma peça para ele. Ele foi para casa e uma semana depois voltou ao Julian Bream pedindo desculpas mas não iria escrever a peça! Ele me disse que durante àquela semana ele ficou pensando: “...mas aquela sexta corda mi me encomodava demais, eu não sabia o que fazer com ela solta lá, o tempo todo...”. E o violão deixou de ter uma obra de sir Harrison Birtwistle por causa da sexta corda mi!! O violão não tem necessariamente que ser afinado da forma que é. E o instrumento responde muito bem com inúmeras outras afinações, ao contrário dos instrumentos de cordas friccionadas onde o recurso é muito mais limitado. Eu tendo a mudar a afinação do violão de acordo com a “pitch significance” da obra (pergunta 9). E eu gosto também dessas sonoridades diferentes proveniente das afinações incomuns. O violonista é naturalmente um excelente leitor de scordatura. Isso nos deixa confortável para utilizar o recurso sempre que preciso. Eu utilizei a scordatura em outras peças, como para um quarteto de cellos, Angústia; e um duo de violinos, Desafios. Os músicos de cordas são muito mais resistentes e relutantes com a idéia. E necessariamente você tem que transpor as partes!
  
    14- Você tem trabalhado constantemente com música para tv, cinema e publicidade. Você acha que esse é um caminho para se fazer boa música? Como este lado dialoga com sua produção musical?
   
    Não acho. Acho que a música tanto para tv, cinema ou publicidade são muito comprometidas com o produto em si. Raras são as possibilidades em que o produtor te dá liberdade para utilizar uma linguagem mais de ponta. O lado bom é que todos os fatores limitantes de uma trilha (restrições de minutagem, etc) se tornam um grande exercício de economia. Eu particularmente não misturo o trabalho de trilha com as minhas composições. É a forma que eu descobri para fazer o melhor que eu puder em ambos os universos.
  
    15 -Você percebeu alguma mudança fundamental no seu perfil compositivo depois de sua estádia na Inglaterra?
  
    Foi um período fundamental para que eu sistematizasse a forma com que eu escrevo música. Foi um momento de decupagem dos meus processos musicais. Processos esses que são a base do que ando escrevendo agora e que com certeza continuarei a desenvolver nos próximos anos. Outro fator é que estou muito mais detalhado e minucioso na escrita musical, coisa que eu era muito falho e relapso.
  
    16 - Você vê algum buraco no repertório do violão que ainda precisa ser preenchido?
   
    Difícil responder...mas eu gostaria que os compositores do “primeiro escalão” escrevessem mais para o instrumento. Ainda é pouco! Eu vou ficar feliz quando um Ligeti fizer uns dois concertos para violão e orquestra; o Donatoni uma série delas ao seu estílo; O Oliver Knussen; o Birtwistle; o Pierre Boulez um ciclo de dez obras; e todos os outros da lista do primeiro time...Você consegue imaginar o que eu estou sugerindo?
  
    17- Como os violonistas brasileiros podem conseguir as partituras de suas obras?
  
    A Entoada (1993) está publicada pela editora espanhola E.M.E.C.. Pelo site da E.M.E.C. na internet você deve consegui-la. O Concerto n.1, Concerto n.2 “Mikulov” para violão e os Prelúdios eu devo estar editando comercialmente no final do ano. De qualquer forma a melhor maneira seria entrar em contato comigo pelo e-mail: “alexdefaria@yahoo.com”.
  
    18- Fale de seus projetos para o futuro próximo.
  
    Estou escrevendo um Concerto para piano e orquestra que vai ser estreado outubro do ano que vem na Hungria pela Hungarian Chamber Music Symphony e Patricia Vanzella ao piano. Esse Concerto é uma encomenda, que vai me reter por um bom tempo. Dando, eu gostaria de escrever uma peça para grande orquestra que está no rascunho e eu ainda não tive coragem de escrever.

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